Relator: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
Órgão julgador: Turma, j. 29-06-2020; STJ, AgRg no REsp 1002491/RN, rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 28-06-2011; STJ, REsp 1.478.262/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 21-10-2014; TJSC, AC 5003093-16.2019.8.24.0020, rel. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 29-02-2024; TJMG, AC 1.0000.24.020043-6/001, rel. Fabiano Rubinger de Queiroz, Décima Câmara Cível, j. 19-03-2024.
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. CAMINHONEIRO AUTÔNOMO. FRETE NÃO PAGO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA DESTINATÁRIA DA CARGA. DANOS MORAIS. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de cobrança proposta por caminhoneiro autônomo em face de produtor de melancias e da distribuidora destinatária da carga, pleiteando contraprestação pelo serviço de transporte dos produtos entre Bahia e Santa Catarina, reembolso de despesas com palha e indenização por danos morais. O juízo de origem condenou apenas o produtor ao pagamento dos valores materiais, afastando a responsabilidade da distribuidora e o pleito por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se a distribuidora destinatária da carga responde solidariamente pelo pagamento...
(TJSC; Processo nº 5000204-60.2024.8.24.0070; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART; Órgão julgador: Turma, j. 29-06-2020; STJ, AgRg no REsp 1002491/RN, rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 28-06-2011; STJ, REsp 1.478.262/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 21-10-2014; TJSC, AC 5003093-16.2019.8.24.0020, rel. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 29-02-2024; TJMG, AC 1.0000.24.020043-6/001, rel. Fabiano Rubinger de Queiroz, Décima Câmara Cível, j. 19-03-2024.; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7052973 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5000204-60.2024.8.24.0070/SC
RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por GR LOGISTICA TRANSPORTES ESPECIAIS LTDA em face da sentença de procedência proferida em "ação ordinária de anulação de registro de negativação e inexistência de débito com pedido liminar de antecipação de tutela urgente" proposta por LACTICINIOS LACTOVALE LTDA.
Adota-se o relatório elaborado pelo juízo a quo por representar fielmente a realidade dos autos (evento 51, SENT1):
Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais ajuizada por LACTICINIOS LACTOVALE LTDA em face de GR LOGISTICA TRANSPORTES ESPECIAIS EIRELI.
Aduziu, em síntese, que adquiriu produtos da empresa "Mundo Grão", estipulando-se que o frete se daria na modalidade "CIF", o que significa que o transporte seria por conta do vendedor. No entanto, recentemente, recebeu notificação do Serasa, informando a existência débito de R$ 26.535,84 registrado pela empresa ré, em razão do não pagamento do frete em questão.
À vista disso, pugnou pela concessão de tutela de urgência para determinar o cancelamento da negativação. Ao final, requereu a procedência da ação para declarar a inexistência do débito, bem como condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (ev. 1).
Realizado o juízo de admissibilidade da inicial (ev. 11.1), a medida liminar foi deferida, oportunidade em que foi determinada a citação da parte ré.
Ato contínuo, a demandante requereu a extensão dos efeitos da liminar para determinar a sustação de protesto efetivado pela ré (ev. 15.1), o que foi deferido, em sequência (ev. 18.1).
Citada (ev. 28.1), a acionada GR LOGÍSTICA TRANSPORTES ESPECIAIS LTDA apresentou contestação (ev. 34.1), defendendo que a cobrança é legítima com base no art. 5º-A, §2º, da Lei 11.442/07, que estabelece a responsabilidade solidária do contratante, subcontratante, cossignatário e proprietário da carga pelo pagamento do frete, independentemente da modalidade contratada. Sustentou a inexistência de danos morais e, subsidiariamente, a redução do quantum pretendido. Pugnou pela improcedência da ação.
Houve réplica (ev. 38.1), oportunidade na qual o autor impugnou a interpretação extensiva feita pela ré do art. 5º-A, §2º, da Lei 11.442/2007, argumentando que a solidariedade prevista na norma não alcança o destinatário final da carga. Sustentou que o termo “cossignatário” não se confunde com “destinatário” e que a lei regula relações comerciais entre transportadores e subcontratantes, não se aplicando à relação entre comprador e vendedor. Reforçou que, como adquiriu os produtos com frete CIF, não pode ser responsabilizada solidariamente pelo pagamento do frete ao transportador. Por fim, pleiteou a procedência da ação.
As partes foram intimadas para se manifestar sobre a qualidade de TAC da requerida (ev.41.1), tendo o autor reiterado o pedido de procedência da demanda (ev.47.1) e o requerido pugnado pelo julgamento antecipado do feito (ev. 47.1).
O requerido juntou novos documentos acerca da qualificação das atividades econômicas da sociedade (ev. 49.2).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Concluídos os trâmites, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (evento 51, SENT1):
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por LACTICINIOS LACTOVALE LTDA em face de GR LOGISTICA TRANSPORTES ESPECIAIS EIRELI, para:
a) declarar a inexigibilidade dos débitos descritos na inicial perante a autora;
b) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, acrescido de consectários legais conforme a seguinte metodologia:
(i) a contar da data desta sentença até o efetivo pagamento, correção monetária pelo IPCA, ex vi do art. 389, parágrafo único, do Código Civil, com redação dada pela Lei n. 14.905/24;
(ii) adicionalmente à correção monetária, juros de mora de 1% ao mês, a contar de 14/01/2024 (data informada na notificação de ev. 1.4 para registro da negativação), ex vi do Provimento CGJ-TJSC n. 13/95, e, a contar de 30/08/2024 até o efetivo pagamento, juros de mora pela taxa legal referenciada à SELIC divulgada pelo BACEN, ex vi do art. 406 do Código Civil, com redação dada pela Lei n. 14.905/24.
Confirmo a tutela de urgência (ev. 11.1 e 18.1) e determino à ré que providencie o cancelamento do protesto.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido pela autora (valor da dívida declarada inexigível + valor da indenização por danos morais), nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Inconformada com o ato decisório, a parte ré interpôs recurso de apelação (evento 74, APELAÇÃO1).
Nas razões recursais, alegou, em síntese, que: a) "No caso em comento, portanto, "Cossignatário", para os fins da Lei nº 11.442/2007, não se refere a quem apõe uma assinatura, mas sim àquele que exerce a função de destinatário da mercadoria, figurando como tal no Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e). É a parte designada para receber a carga, sendo o principal interessado e beneficiário direto e final do serviço. A Apelada indiscutivelmente atuou como a destinatária da carga, ou seja, a beneficiária final do serviço de transporte. Os documentos acostados aos autos comprovam que o milho foi entregue em seu estabelecimento. A responsabilidade, neste cenário, advém da função exercida na cadeia de suprimentos e do benefício econômico auferido com a prestação do serviço."; b) "A Apelada, ao receber a mercadoria, integrou-a à sua cadeia produtiva e auferiu o benefício econômico do transporte. A lei, de forma justa, atribui-lhe a responsabilidade de garantir a contraprestação, especialmente quando o devedor original falha. Isso não a prejudica de forma definitiva, pois a mesma lei lhe assegura o direito de regresso contra a empresa vendedora ("Mundo do Grão"), com quem firmou o contrato na modalidade CIF. De fato, o próprio art. 5º-A, §2º, da Lei nº 11.442/07, ao prever a responsabilidade solidária, resguarda expressamente o direito de regresso daquele que efetuar o pagamento contra o devedor originário."; c) "A sentença condenou a Apelante ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, valor este que se mostra excessivo e desproporcional à suposta lesão, especialmente considerando a tese de defesa que demonstra a legitimidade da cobrança por força de lei e a prévia comunicação à Apelada sobre a incidência da responsabilidade solidária." (evento 74, APELAÇÃO1).
Com tais argumentos, formulou os seguintes requerimentos:
Diante do exposto, a Apelante requer que o presente Recurso de Apelação seja CONHECIDO E PROVIDO, para o fim de:
a. Reformar integralmente a sentença ora vergastada, para julgar TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, reconhecendo-se a legitimidade da cobrança do frete em face da Apelada, dada a sua responsabilidade solidária, nos termos do art. 5º-A, § 2º, da Lei nº 11.442/2007;
b. Consequentemente, revogar a condenação da Apelante ao pagamento de indenização por danos morais e a declaração de inexigibilidade do débito;
c. Inverter os ônus sucumbenciais, condenando a Apelada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, a serem fixados por este Egrégio Tribunal.
Outrossim, haja vista a extensa fundamentação da recorrente e à demonstração cabal de sua hipossuficiência, lhe seja deferida a gratuidade de justiça recursal.
Termos em que pede e espera o deferimento
Intimada, a parte autora exerceu o contraditório (evento 80, CONTRAZAP1).
O envio dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça foi dispensado, por ausência de hipótese de intervenção (arts. 129 da CF e 178 do CPC).
Por fim, vieram os autos para análise.
VOTO
1. Preliminares
Em contrarrazões, impugna-se a gratuidade concedida à parte recorrente.
O ônus de demonstrar o equívoco na concessão da gratuidade da justiça é da parte que pede a revogação do benefício (art. 100 do CPC).
Para tanto, exige-se da parte impugnante a apresentação de argumentos e de provas suficientes e consistentes no sentido de que a parte beneficiada com a gratuidade possui plenas condições de arcar com os custos de acesso à Justiça sem prejuízo ao sustento próprio e/ou do núcleo familiar, sob pena de prevalência da presunção relativa de hipossuficiência que milita por força de lei no caso específico das pessoas naturais (art. 99, § 3º, do CPC).
Na hipótese, a impugnação não veio acompanhada de elementos de convicção suficientes e consistentes acerca da efetiva condição econômico-financeira da parte que obteve a gratuidade da justiça, tratando-se de insurgência genérica e inapta para justificar a reforma da decisão concessiva da benesse.
Nesse sentido:
[...] 1. Segundo a jurisprudência do STJ, "a lei presume verdadeira a declaração de insuficiência econômica deduzida pela parte (CPC, art. 99, § 3.º). Assim, embora possa o adversário impugnar a concessão do benefício (CPC, art. 100), cabe-lhe o ônus de demonstrar a suficiência de recursos do solicitante da gratuidade". (MS n. 26.553/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 14/4/2021, DJe de 25/5/2021).
2. No caso, a impugnação à gratuidade de justiça ostenta feição genérica, ausente qualquer prova - ou mesmo alegação concreta - capaz de fragilizar a referida presunção legal, impondo-se, por isso, a manutenção da questionada benesse. [...] (STJ, MS n. 26.903/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 23/8/2023, DJe de 30/8/2023).
Daí a rejeição da preliminar.
2. Admissibilidade
Presentes os pressupostos legais, admite-se o recurso.
3. Mérito
Passa-se ao exame do mérito.
O caso, antecipa-se, é de provimento.
A parte apelante sustenta, em síntese, que a autora, na qualidade de destinatária final da mercadoria transportada, integra a cadeia econômica de circulação da carga e, por esse motivo, deve responder solidariamente pelo adimplemento do frete, conforme previsão expressa no art. 5º-A, § 2º, da Lei n. 11.442/2007. Argumenta que o benefício auferido pelo transporte é suficiente para justificar a imposição da solidariedade legal, independentemente da inexistência de vínculo contratual direto com a transportadora. Por fim, a recorrente pugna pela reforma da condenação por danos morais, sob o fundamento de que a negativação decorreu de exercício regular de direito.
A controvérsia demanda interpretação do art. 5º-A, § 2º, da Lei n. 11.442/2007, que assim dispõe:
Art. 5º-A. O pagamento do frete do transporte rodoviário de cargas ao TAC será efetuado em conta de depósito ou em conta de pagamento pré-paga mantida em instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, de livre escolha do TAC prestador do serviço, e informado no de Transporte (DT-e).
(...)
§ 2o O contratante e o subcontratante dos serviços de transporte rodoviário de cargas, assim como o cossignatário e o proprietário da carga, são solidariamente responsáveis pela obrigação prevista no caput deste artigo, resguardado o direito de regresso destes contra os primeiros. (sem grifos no original).
O dispositivo legal institui um regime de solidariedade obrigacional voltado à proteção do transportador, garantindo-lhe diversas fontes de responsabilização pelo inadimplemento do frete.
A jurisprudência desta Corte reconhece a responsabilidade solidária do destinatário da carga no transporte rodoviário, ainda que não tenha firmado o contrato de frete. A solidariedade prevista no art. 5º-A, § 2º, da Lei n. 11.442/2007, decorre da função exercida por cada sujeito na cadeia logística e do benefício econômico efetivamente auferido com a prestação do serviço.
Nesse sentido:
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. CAMINHONEIRO AUTÔNOMO. FRETE NÃO PAGO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA DESTINATÁRIA DA CARGA. DANOS MORAIS. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de cobrança proposta por caminhoneiro autônomo em face de produtor de melancias e da distribuidora destinatária da carga, pleiteando contraprestação pelo serviço de transporte dos produtos entre Bahia e Santa Catarina, reembolso de despesas com palha e indenização por danos morais. O juízo de origem condenou apenas o produtor ao pagamento dos valores materiais, afastando a responsabilidade da distribuidora e o pleito por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se a distribuidora destinatária da carga responde solidariamente pelo pagamento do frete nos termos da Lei n. 11.442/2007; (ii) verificar se estão presentes os requisitos para a configuração de danos morais indenizáveis em razão do inadimplemento contratual. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A responsabilidade solidária pelo pagamento do frete entre o contratante, o subcontratante, o proprietário e o destinatário da carga está expressamente prevista no art. 5º-A, § 2º, da Lei n. 11.442/2007, sendo irrelevante a existência de vínculo contratual direto entre o transportador autônomo e a distribuidora destinatária. 4. A distribuidora apelada, na qualidade de compradora e destinatária da carga, enquadra-se na condição de proprietária e, portanto, é solidariamente responsável pelo pagamento do transporte, independentemente da disputa comercial sobre a qualidade das frutas com o produtor. 5. O inadimplemento das rés ocasionou grave prejuízo existencial ao autor, que viu perecer a carga em seu caminhão, permaneceu dias parado sem renda e teve que recorrer a terceiros para custear suas despesas básicas, situação que ultrapassa o mero aborrecimento e atinge atributos da personalidade. 6. O dano moral está caracterizado pela violação à dignidade profissional do transportador, que foi compelido a suportar os ônus de desacerto entre terceiros após o cumprimento regular de sua obrigação. 7. A indenização por danos morais é fixada em R$ 5.000,00, valor proporcional à extensão do dano e adequado aos parâmetros da jurisprudência desta Corte. IV. DISPOSITIVO 8. Recurso provido. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III; 5º, V e X; CC, arts. 186, 187, 927, 944; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11; Lei n. 11.442/2007, art. 5º-A, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, EDcl no AREsp 2106837/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 02.09.2022; STJ, AgRg no REsp 1002491/RN, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 28.06.2011; TJSC, Apelação n. 5025418-72.2021.8.24.0033, rel. Giancarlo Bremer Nones, j. 01.07.2025; TJSC, Apelação n. 0311754-59.2016.8.24.0033, rel. Carlos Roberto da Silva, j. 21.07.2022. (TJSC, ApCiv 5003357-73.2023.8.24.0026, 8ª Câmara de Direito Civil , Relator para Acórdão ALEX HELENO SANTORE , julgado em 05/08/2025)
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONTRATOS PARITÁRIOS. DANOS MORAIS EXCEPCIONAIS. PROVIMENTO PARCIAL.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de cobrança movida por caminhoneiro autônomo contra transportadora e empresa proprietária da carga, condenando solidariamente as rés ao pagamento de R$ 119.512,05 por diárias de retenção indevida de veículo e R$ 5.000,00 por danos morais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há quatro questões principais: (i) tempestividade da apelação após embargos de declaração de litisconsorte e acordo posterior; (ii) validade de transação entre autor e uma das rés sem participação da apelante; (iii) prevalência do valor contratual em relação ao legal para cálculo de diárias; e (iv) configuração de danos morais por retenção prolongada do veículo.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A apelação é tempestiva, pois embargos de declaração interrompem prazo para todas as partes, renovando-se com a decisão que homologou acordo e julgou prejudicados os embargos.
4. A transação entre autor e JBS é válida, limitada à quota-parte desta, permanecendo a apelante responsável pelo saldo restante conforme regras de obrigações solidárias.
5. A responsabilidade solidária na cadeia do transporte rodoviário está configurada pela Lei 11.442/2007, sendo irrelevante qual participante causou diretamente o dano.
6. Prevalece o valor contratual (R$ 12,50/hora) sobre o legal por se tratar de relação empresarial paritária entre profissionais do ramo, aplicando-se os princípios da intervenção mínima e força obrigatória dos contratos.
7. Mantêm-se os danos morais pelas condições indignas de retenção prolongada que extrapolaram o mero descumprimento contratual.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso conhecido e provido parcialmente para aplicar valor contratual nas diárias e redistribuir ônus sucumbenciais.
Teses de julgamento: "1. A oposição de embargos de declaração por litisconsorte interrompe o prazo recursal para todas as partes, reiniciando com a publicação da decisão que os julga. 2. O acordo parcial entre credor e devedor solidário não extingue a obrigação dos coobrigados, que permanecem responsáveis pelo saldo remanescente. 3. Nas relações contratuais paritárias de transporte rodoviário, prevalece o valor pactuado sobre o legal quando ausente vulnerabilidade técnica. 4. A retenção injustificada de veículo de transporte por período excessivo, inviabilizando a atividade econômica do transportador, configura dano moral indenizável por afronta à dignidade e liberdade profissional."
_______________
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 1.026, 998; CC, arts. 257, 275, 277, 421, parágrafo único, 421-A, 844; Lei 11.442/2007, arts. 5º-A, §2º, 11, §5º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.275.372/GO, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 29-06-2020; STJ, AgRg no REsp 1002491/RN, rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 28-06-2011; STJ, REsp 1.478.262/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 21-10-2014; TJSC, AC 5003093-16.2019.8.24.0020, rel. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 29-02-2024; TJMG, AC 1.0000.24.020043-6/001, rel. Fabiano Rubinger de Queiroz, Décima Câmara Cível, j. 19-03-2024.
(TJSC, Apelação n. 5025418-72.2021.8.24.0033, do , rel. Giancarlo Bremer Nones, Terceira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 01-07-2025).
A responsabilidade civil objetiva (art. 927, parágrafo único, do CC), incidente nas demandas de consumo (arts. 12 e 14 do CDC), pressupõe o ato ilícito (arts. 186 e 187 do CC), o dano (extra)patrimonial (arts. 12 e 402 do CC) e o nexo de causalidade direta, imediata e adequada entre o ilícito e o dano (art. 403 do CC).
Na hipótese, tais requisitos não estão integralmente evidenciados.
Tendo sido reconhecida a legitimidade da cobrança efetuada pela apelante, com base em norma expressa, não subsiste a caracterização de ato ilícito. O protesto e a inscrição do nome da autora nos cadastros de inadimplentes foram adotados como meios de cobrança de crédito que, como visto, é legítimo e encontra respaldo legal.
A responsabilização civil exige a demonstração de conduta ilícita, nexo de causalidade e dano. No caso em apreço, ausente o primeiro elemento, não há falar em dever de indenizar.
Com isso, dá-se provimento ao recurso.
4. Sucumbência
Provido o recurso da parte ré, altera-se o resultado do julgamento (art. 1.008 do CPC), que passa a ser de improcedência integral dos pedidos formulados na petição inicial.
Como consequência, inverte-se a distribuição dos encargos de sucumbência fixados na sentença.
Destaca-se, no ponto, que "A redistribuição dos ônus sucumbenciais, com a alteração dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados na origem, é mera consequência lógica do julgamento do recurso" (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.212.029/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Terceira Turma, j. 28/8/2023), que deve ser implementada pelo órgão julgador (arts. 85, caput, e 1.008 do CPC) independentemente de pedido expresso da parte interessada (art. 322, § 1º, do CPC), não caracterizando decisão ultra ou extra petita (arts. 142, 490, 492 e 1.013, § 1º, do CPC).
Registra-se, oportunamente, que, havendo provimento do recurso, ainda que parcial, é descabida a majoração de honorários (art. 85, §º 11, do CPC), conforme Tema Repetitivo n. 1.059 do STJ e EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ.
Caso decorram de vitória da parte assistida pela Defensoria Pública, os honorários são devidos ao Fundo de Reaparelhamento da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina – FADEP/SC, nos termos dos arts. 4º, XXI, da LC n. 80/1994, 4º, XIX, da LC Estadual n. 575/2012, 2º da Lei Estadual n. 17.870/2019 e 1º da Resolução CSDPESC n. 119/2022, e do Tema de Repercussão Geral n. 1.002 do STF.
Por fim, ressalva-se a suspensão de exigibilidade das verbas sucumbenciais, na forma e pelo prazo prescritos no art. 98, § 3º, do CPC, caso a parte condenada ao pagamento seja beneficiária da gratuidade da justiça.
5. Advertência
A fim de evitar a prática de atos protelatórios ou infundados, capazes de retardar a entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável (arts. 5º, LXXVIII, da CF e 139, II, do CPC), adverte-se, na mesma linha dos Tribunais Superiores (STF, ARE n. 1.497.385, Rel. Min. Cristiano Zanin, j. 19/06/2024, e STJ, AREsp n. 2.689.732, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/11/2024), que a interposição de novos recursos contra a presente decisão poderá ensejar a aplicação de multa, de ofício (arts. 77, II, 80, I, IV, VI e VII, 81, 139, I e II, 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC). Esclarece-se, ainda, que eventual deferimento da gratuidade da justiça não impede a imposição da multa e a exigência do respectivo pagamento (art. 98, § 4º, do CPC).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de: a) julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial; b) inverter os ônus sucumbenciais, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do voto.
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Apelação Nº 5000204-60.2024.8.24.0070/SC
RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
EMENTA
EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO e INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE RÉ. PROVIMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta pela parte ré contra sentença que julgou procedente ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais, reconhecendo a inexigibilidade de cobrança de frete e condenando a ré ao pagamento de R$ 5.000,00 por danos morais.
2. A controvérsia decorre de cobrança de frete realizada pela transportadora em face da destinatária da carga, que alegou ter adquirido os produtos com frete CIF, sendo o transporte de responsabilidade do vendedor.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
3. Há três questões em discussão: (i) saber se a parte autora, na qualidade de destinatária da carga, pode ser responsabilizada solidariamente pelo pagamento do frete, nos termos do art. 5º-A, § 2º, da Lei nº 11.442/2007; (ii) saber se a inscrição da autora em cadastro de inadimplentes e o protesto do título configuram ato ilícito apto a ensejar indenização por danos morais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
4. A responsabilidade solidária prevista no art. 5º-A, § 2º, da Lei nº 11.442/2007 alcança o destinatário da carga, ainda que não tenha contratado diretamente o serviço de transporte.
5. A cobrança realizada pela transportadora ré, portanto, encontra respaldo legal, não configurando ato ilícito, o que afasta o dever de indenizar.
6. O provimento do recurso impõe, a fim de julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial e de inverter os ônus de sucumbência.
IV. DISPOSITIVO
7. Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de: a) julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial; b) inverter os ônus sucumbenciais, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do voto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por MARCELO PONS MEIRELLES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7052975v4 e do código CRC aa707eaf.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 17/11/2025
Apelação Nº 5000204-60.2024.8.24.0070/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES
PRESIDENTE: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON
PROCURADOR(A): BASILIO ELIAS DE CARO
Certifico que este processo foi incluído como item 29 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:39.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO, A FIM DE: A) JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL; B) INVERTER OS ÔNUS SUCUMBENCIAIS, CONDENANDO A AUTORA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, NOS TERMOS DO VOTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES
Votante: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES
Votante: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Votante: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON
JONAS PAUL WOYAKEWICZ
Secretário
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